quarta-feira, 27 de março de 2013

Um dia, em 2011, eu disse algumas coisas neste blog...

Acho que consegui fazer alguma coisa... Muito embora várias percepções tenham adquirido novas feições...

"Sete anos de Rio, e surgiu o desejo de vir para a África. São Tomé e Príncipe. São Tomé. Hoje, posso adiantar que estou num empreendimento – solitário* – de compreender as escritas produzidas aqui em ST e de resgatar o que nelas há de possível para um trabalho científico.

Para além disso, muito embora eu ainda não esteja vinculada a algum programa de estudos em uma universidade, sinto-me perfeitamente autorizada a escrever ensaios, a comentar leituras, a criticar críticas ou “atar-me” a algum domínio/linha filosófica, antropológica, etnológica, historicista, pós-modernista ou pós-colonial (ou, para usar palavras de Ahmad, alguma linhagem do presente) dos estudos de literatura. Mesmo estando (n)à margem dos intelectuais das letras, neste caso, mais especificamente, estudantes de África, vivo (num sentido muito amplo) São Tomé e Príncipe. E por vivê-lo, estrangeiramente, femininamente, literariamente, incomoda-me não ter ainda escrito qualquer coisa sobre tal experiência.

É bem verdade que, antes de publicar qualquer texto, ainda que escondido num canto da internet, num blog novo e desconhecido, leio, releio, analiso a pertinência do que digo, verifico cada informação que insiro no texto, e calculo os impactos daquilo que será publicado. Não posso jamais me esquecer de que tenho um compromisso ético com a minha profissão, e de que vivo num país em que a “diferença” pode contar muito contra um estrangeiro (no meu caso, mulher, branca – mestiça, como todos sabem que são os brasileiros –, brasileira. Sim, brasileira: sou, muitas vezes vista como uma mulher “diferente”, marcada pela visão equivocada que se tem das mulheres do Brasil, e alvo de preconceito explícito).

Retomo o objeto primeiro desta investida num blog.
Tomando emprestado o subtítulo de uma crônica de Mia Couto (em Pensatempos, "O sertão brasileiro na savana moçambicana"), "as águas do meu princípio" nas letras santomenses passam, necessariamente, por Conceição Lima. Tenho buscado material para "publicar", com segurança, qualquer coisa que, para além dessa poetisa e outros poucos textos, se possa assinalar de “literariamente legível” nas letras santomenses (e falo de hoje, 2011, antes que se julgue que me esqueço de Francisco José Tenreiro, posta de lado a polêmica questão/cisão da “nacionalidade” do poeta)."









Todavia, isso são mesmo linhas para outras páginas.


*O que quer dizer que não estou vinculada a projeto acadêmico, em qualquer universidade. A iniciativa é puro idealismo.

Fotos!

Falei dos músicos de São Tomé e Príncipe e agora eu os mostro!!! Valeu a pena cada minuto!

Nezó e o seu grupo.

Gilberto Gil Umbelina e a menina Leidy.

Guilherme Carvalho e seu grupo.

domingo, 24 de março de 2013

Cinco anos do Centro Cultural Brasil - São Tomé e Príncipe



            No dia 21 de março realizaram-se, no auditório do CCB-STP, as comemorações do quinto aniversário desse Centro. A grande originalidade da festa brasileira, consistiu, contudo, na participação de artistas são-tomenses, que cantaram músicas em cada uma das línguas crioulas faladas em São Tomé e Príncipe (santome, ngola e lungu’Ie), no português cantado que só se fala – e canta – aqui, além de canções, escolhidas pelos próprios artistas, da nossa música brasileira.
            Nezó – cantor e compositor, além de artista plástico – e seu grupo levaram a música do povo Angolar para nossos ouvidos, de maneira simples e delicada, tal que pudemos sentir a sua melodia e seu orgulho de se expressar em sua língua. E ainda tocou o "Morango do Nordeste"!
            Gilberto Gil Umbelina – cantor e compositor – com seu violão, levou-nos ao Pico do Papagaio, ao Rio do Papagaio e ao papagaio cinza da ilha do Príncipe, e também nos agraciou com uma canção em lung’Ie e o nosso “Xodó”, e mais, em parceria com a menina Leidy, pisou na fulô (“Pisa na fulô”, de João do Valle).
            Finalmente, Guilherme Carvalho – também artista plástico – e seus músicos cantaram uma canção em santome, nos homenagearam com a “Garota de Ipanema” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes) e o “Trem das Onze” (Adoniran Barbosa), e cantaram uma canção de sua própria autoria, “Guitarra companheira minha”.
            Os músicos fizeram da festa um maravilhoso ato de manifestação e convívio harmonioso da diferença, o que reflete também uma atitude democrática, solidária e acolhedora entre o povo de São Tomé e Príncipe e os povos estrangeiros que aqui estão, de passagem ou não.
            Um país tão pequenino em dimensões geográficas mostrou-nos a força de sua identidade, marcada basicamente pelas línguas lá representadas e pelo seu português, e nos ensinou – creio que a todos que ali estavam – um pouco mais o que é conviver com o Outro (no sentido mais amplo e diverso que a palavra pode ter).
            Em tempos de pleno usufruto da liberdade de expressão, tempos de rememorar, resgatar culturas e não deixar que o passado seja rasurado ou o presente condenado à intolerância de resquícios dolorosos; em tempos de necessidade de valorizar e respeitar a diferença, a música nos uniu a todos em um tom, para comemorar a casa de São Tomé e Príncipe, com nome de Brasil.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Projeto de Artesanato - Brasil + São Tomé e Príncipe



            Ontem, recebi das mãos da Ivone, minha amiga (mas, para a sociedade, Ivone Baptista, supervisora local e consultora de bordado do Projeto de Artesanato que o Brasil desenvolve em parceria com São Tomé e Príncipe), uma encomenda que há muito esperava: era meu jogo americano – lindo! – com uns gatos feitos em corno (por Silvério da Mota) e, a peça, de uma espécie de palha mais rígida (por Makeba). Não resisti em fazer um comentário sobre a relevância desse Projeto no âmbito das relações de amizade entre nossos países.
            Não foi a Ivone que fez os “individuais”, mas os seus alunos e novos instrutores de artesanato são-tomenses que integram esse Projeto grandioso de cooperação da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) entre o Brasil e São Tomé e Príncipe (com a contrapartida do Ministério da Juventude e do Desporto de ST&P).
            Além de frequentar o Instituto da Juventude, onde as oficinas são ministradas, ser amiga do Projeto e conhecer as lojas (na CACAU e ao lado da STPAirways, Uê Tela), também sou sua admiradora e propagadora; contudo, posso apenas dar uma opinião de quem assiste ao seu sucesso e à sua beleza.
            O Projeto, que existe desde 2009, começou devagarzinho e foi crescendo a passos largos, formando profissionais nas áreas de costura, marcenaria, bordado, escultura em madeira, artesanato em corno e palha e design. Ao longo desses anos, os produtos foram adquirindo os contornos da expressão são-tomense nessas artes.
            O que me deixa feliz nos projetos que o Brasil desenvolve é exatamente isto: “nós” nos envolvemos com a cultura de São Tomé e queremos que as expressões artísticas se desenvolvam e cresçam com as marcas daqui. Não se trata, definitivamente, de uma  imposição de nossas concepções de arte e artesanato. Antes, pelo contrário: incentiva-se a criatividade e a fruição dos valores e modelos locais, levando os artistas e artesãos a mostrarem a sua face naquilo que fazem – e em que são muito bons!
            Muitos consultores brasileiros do Projeto de Artesanato já passaram por esta terra e, sem dúvida, levaram consigo as marcas próprias de cada aluno e de cada peça que criaram nesta parceria incontestável. Não é novidade que Brasil e São Tomé se expressam de maneiras diferentes, no entanto, a junção de ambas as manifestações culturais nos e os enriquece, cultural e intelectualmente.
            Dezenas de alunos passaram pelas salas do Instituto da Juventude, na Quinta de Santo Antônio, onde o projeto está fixado. Muitos artistas já têm, inclusive, a sua produção individual.
            Menciono um caso apenas – e já bastante revelador –  do grande artista plástico e artesão são-tomense Tomé Coelho, meu amigo, de quem comprei a maioria das peças que compõem hoje a minha casa: máscaras, esculturas, pequeno objetos de arte que enfeitam a casa e que têm a marca de São Tomé e Príncipe.
            Sempre disse ao meu amigo que as peças dele têm sua impressão pessoal inconfundível e hoje, como líder de oficina e instrutor de marcenaria e escultura dentro do Projeto, ele imprime a mesma/diversificada marca nas outras dezenas de alunos que passam por suas mãos. Tomé Coelho tem uma oficina em que cria, trabalha, dá aulas para novos escultores e artesãos na Quinta de Santo Antônio, e tem uma linda loja na CACAU – digna de uma visita cuidadosa – chamada Atxi D’Obô.
            Essa é apenas uma prova de que o Projeto alimenta e incentiva a criatividade deste povo adorável e impetuoso, que, aos poucos, vai conquistando o seu lugar na sociedade são-tomense e no mundo.
            Creio que a Arte seja uma manifestação das mais importantes para (re)construção de uma identidade local, enchendo nossos olhos – e nossas casas! – de beleza e de cores de São Tomé e Príncipe. Desejo vida longa para o Projeto, que, após o retorno para o Brasil dos consultores, andará com as próprias pernas, visto que formou, com dignidade e respeito, os artesãos e artistas daqui para seguirem o seu caminho.
            Mais uma vez, vida longa aos artesãos de São Tomé e Príncipe! E o meu profundo respeito pela relação de amizade entre nossos países.

segunda-feira, 18 de março de 2013

"Aula de Português", Carlos Drummond de Andrade

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Homi K. Bhabha



“O compromisso com a teoria”*

            Existe uma pressuposição prejudicial e autodestrutiva de que a teoria é necessariamente a linguagem de elite dos que são privilegiados social e culturalmente. Diz-se que o lugar do critico acadêmico é inevitavelmente dentro dos arquivos eurocêntricos de um ocidente imperialista ou neocolonial. Os domínios olímpicos do que é erroneamente rotulado como “teoria pura” são tidos como eternamente isolados das exigências e tragédias históricas dos condenados da terra. Será preciso sempre polarizar para polemizar? Estaremos presos a uma política de combate onde a representação de antagonismos sociais e contradições históricas não podem tomar outra forma senão a do binarismo teoria versus política? Pode a meta da liberdade de conhecimento ser a simples inversão da relação opressor e oprimido, centro e periferia, imagem negativa e imagem positiva? Será que nossa única saída de tal dualismo é a adoção de uma oposicionalidade implacável ou a invenção de um contra-mito originário da pureza radical? Deverá o projeto de nossa estética liberacionista ser para sempre parte de uma visão totalizante do Ser e da História que tenta transcender as contradições e a ambivalência que constituem a própria estrutura da subjetividade humana e seus sistemas de representação cultural?
            Entre o que é representado como “furto” e distorção da “metateorização” europeia e a experiência radical, engajada, ativista da criatividade do Terceiro Mundo**, pode-se ver uma imagem especular (embora invertida em conteúdo e intenção) daquela polaridade a-histórica do século dezenove entre Oriente e Ocidente que, em nome do progresso, desencadeou as ideologias imperialistas, de caráter excludente, do eu e do outro. Desta vez, o termo “teoria crítica”, geralmente não teorizado nem discutido, é definitivamente o Outro, uma alteridade que é insistentemente identificada com as divagações do crítico eurocêntrico despolitizado. (...)
            Antes que eu seja acusado de volutarismo burguês, pragmatismo liberal, pluralismo academicista e de todos os demais “ismos” sacados a torto e a direito por aqueles que se opõem de forma mais severa ao teoricismo “eurocêntrico” (derridianismo, lacanianismo, pós-estruturalismo...) gostaria de esclarecer os objetivos de minhas questões iniciais. Estou convencido de que, na linguagem da economia política, é legítimo representar as relações de exploração e dominação na divisão discursiva entre Primeiro e Terceiro Mundo, entre Norte e Sul. Apesar das alegações de uma retórica espúria de “internacionalismo” por parte da multinacionais estabelecidas e rede de indústrias da tecnologia de novas comunicações, as circulações de signos e bens que existem ficam presas nos circuitos viciosos do superávit que ligam o capital do Primeiro Mundo ao mercado de trabalho do Terceiro Mundo através das cadeias da divisão internacional do trabalho e das diversas classes nacionais de intermediários. Gayatri Spivak está certa ao concluir que é “para o bem do capital preservar o teatro dos intermediários em um estado de legislação trabalhista e regulamentação ambiental relativamente primitivas”.***
            (...)
            O que exige maior discussão é se as “novas” linguagens da crítica teórica (semiótica, pós-estruturalista, desconstrucionista e as demais) simplesmente refletem aquelas divisões geopolíticas e suas esferas de influência. Serão os interesses da teoria “ocidental” necessariamente coniventes com o papel hegemônico do Ocidente como bloco de poder? Não passará a linguagem da teoria de mais um estratagema da elite ocidental culturalmente privilegiada para produzir um discurso do Outro que reforça sua própria equação conhecimento-poder?

*BHABHA, Homi K. “O compromisso com a teoria”. In: O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. pp. 43-5. (Sugiro a leitura do texto na íntegra).

Notas no texto de Bhabha:
**Para um exemplo desse estilo de argumentação conferir: TAYLOR, C. Eurocentrics vs new thought at Edinburgh. Framework, v.34, 1897. Ver especialmente a nota 1, p. 148, para uma exposição do uso que ele faz do termo “roubo” [larceny] – “a distorção judiciosa de verdades africanas para ajustá-las aos preconceitos ocidentais.”
***SPIVAK, G. C. In other worlds. London: Methuen, 1987. pp. 166-7.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Esclarecimentos

Caros leitores,

claro que respeito todas as interpretações que um texto, sempre polissêmico, pode suscitar. Ouvi poucas, não li nenhuma... Creio que seja oportuno esclarecer, em síntese, qual minha intenção no post "Dia Internacional das línguas maternas. E nós?": 1) julgo inadequado tachar determinado registro linguístico como "certo" e "errado" e 2) considero absolutamente legítima a expressão - ou expressões - da língua portuguesa falada pelo valoroso povo de São Tomé e Príncipe.

No blog, há um espaço aberto para comentários. Tal como eu assino, todos podem dizer o que pensam, contra ou a favor, de minha posição (muito consolidada neste caso).

Ficaria grata em lê-los e respondê-los.

Sou completamente a favor do direito e da liberdade de expressão e totalmente contra todo preconceito, inclusive o linguístico.

Visita do Embaixador do Brasil ao ISP



Visita do Embaixador do Brasil ao ISP

            No dia 12 de março, às 10h, o Embaixador do Brasil em São Tomé, Senhor José Carlos de Araújo Leitão, fez uma visita ao Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe, a fim de falar com o Presidente, Senhor Peregrino da Costa, e com o seu vice, Senhor João Pontífice. Antes da chegada do Embaixador, o Secretário Maurício do Carmo também fez questão de uma breve visita, o que demonstra, mais uma vez, o respeito geral de nossa Embaixada pela instituição e pelo Leitorado, e o interesse de permanecermos em contato com o meio acadêmico são-tomense. Reservo-me a liberdade de fazer um relato de maneira informal e agradável, tal como foi a essência de nosso encontro.
            O início da conversa foi na sala do Presidente do ISP, que, como já mencionei, nos recebeu com muito apreço. Falou-se de cooperações, convênios em andamento e convênios por se fazer. Falou-se da literatura de São Tomé (como não deveria deixar de acontecer, sou uma estudante dessa literatura), de escritores nossos amigos, como Albertino Bragança (citado por Russel Hamilton como um dos mais importantes prosadores de São Tomé!), de Frederico Gustavo dos Anjos (também citado pelo crítico norte-americano), e das inclassificáveis Alda do Espírito Santo – por sua poesia de luta e protesto – e Conceição Lima, por sua grandeza como artista e como pessoa. A conversa – boa – demorou-se e não foi atropelada por compromissos ou marcada por protocolos. Fluiu...
            O objetivo primeiro da visita era de o Sr. Embaixador conhecer a sala do Leitorado Brasileiro, construída por mim, a leitora, ao longo de três anos, com o apoio do Centro Cultural Brasil-São Tomé e Príncipe (que doou material, arquivos e dezenas de livros e revistas), de professores que estiveram aqui no decorrer desses anos (Professora Simone Caputo Gomes - USP -, Professora Ana Lúcia Souza – UFBA –, Professor Amarino Queiroz – UFRN –, Professor Eduardo de Assis Duarte – UFMG), além dos cordelistas José Maria de Fortaleza e Tião Simpatia (a quem devo a mini-biblioteca de cordéis que hoje tenho), do Presidente da Academia Brasileira de Cordel, Sr. Gonçalo Ferreira da Silva, que doou livros de sua autoria, de Marilene Pereira, diretora do Centro Cultural Brasil-Praia, que doou vários livros quando de minha visita a Cabo Verde, de Gilvan Müller, diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, a quem agradeço pelos livrinhos de histórias da tradição oral dos países africanos de língua portuguesa publicados pelo IILP, de Luandino Vieira, escritor angolano, que enviou, gentilissimamente, os livros de sua editora NÓSSOMOS, que publica escritores angolanos e agora se expande para todo o vasto mundo da África de língua portuguesa (e outras línguas), de Rogério Andrade Barbosa, escritor brasileiro, que doou livros de literatura infanto-juvenil, cujas histórias foram recolhidas, por ele mesmo in praesentia, por todo o infindável e riquíssimo universo do continente africano, além de mim mesma!, que doei meus livros trazidos na mala quando me mudei para cá, no início dessa deliciosa aventura em solo são-tomense.
            As Professoras Teresa Salgado e Carmen Tindó – UFRJ – também tiveram uma participação, indireta (e talvez nem saibam ainda!), no crescimento do acervo, pois elas me deram livros quando estivemos juntas no Brasil e em Lisboa, eu os li e... doei para a salinha! Com o livrinho sobre literaturas africanas que a escritora Edna Bueno – do Quintal da Língua Portuguesa, no Rio – me deu, também fiz o mesmo! Se me esqueço de alguém, acuse quem ler! Não pretendo ser injusta!
            O Sr. Embaixador, como sói acontecer, foi impecável: destilou simpatia e interesse pelos assuntos acadêmicos ligados ao ISP e ao Leitorado Brasileiro. Os Srs. Peregrino da Costa e João Pontífice, na mesma medida, retribuíram com uma agradável conversa e um passeio pelo prédio, mostrando-lhe as salas do Instituto, falando de projetos concretos e sonhos para o futuro (que, espero, bem próximo).
            Fizemos uma visita ao Núcleo de Língua Portuguesa, onde encontramos a Coordenadora do Departamento de Línguas, que, sempre elegante com suas vestes africanas, marca pessoal dela, também nos recebeu com simpatia.
            Finalmente, no nosso destino primeiro, o Leitorado Brasileiro, apreciamos o cuidado com que a salinha foi montada (modéstia à parte nisso tudo), a riqueza dos títulos, os cordéis expostos como são originalmente no nosso imenso Nordeste brasileiro, jornais, revistas, enfim, ares do Brasil numa pequena sala do ISP.
            Sei que o trabalho foi, como se diz, de formiguinha. Aqui e ali, juntei os presentes que recebi e os coloquei no espaço da minha utopia, um espaço que serve para receber os alunos são-tomenses e inseri-los no nosso mundo da língua brasileira, da literatura brasileira, da cultura e da história do Brasil. Sei também que ninguém passou por lá sem levar consigo algum impacto positivo: os alunos que foram orientados por mim saíram com um gosto do Brasil, da nossa fala, das nossas letras, e com o desejo de continuarem seus estudos em nossas terras (Lisinaite, Arlete, Eteldilaide, Zenilda, Vargas, Agnalda, Mohamed, Alberto, Hortência, Carla Moreno... e outros tantos nomes que vão em busca de livros, orientação para as suas monografias de final de curso e materiais diversos são parte dessa construção).
            Procurei a maneira de me relacionar com todos da forma que marca a nossa “brasilidade”: com respeito, afeto, proximidade, alegria, e muita disciplina. Afinal, nós, brasileiros, somos um povo disciplinado! Ou não teríamos chegado onde estamos hoje no cenário político e econômico mundial e de divulgação da nossa língua.
            Marca de uma relação de amizade com o ISP, a sala é de propriedade dos alunos, dos professores efetivos, dos dirigentes e dos funcionários do Instituto. Marca de nossa recíproca simpatia e interesses convergentes, a visita deu-nos um “banho” de respeito, carinho e reafirmou o desejo de colaborações futuras.
            O legado material está sendo construído aos poucos e, estou certa, de que o legado imaterial vai além do que nossos olhos podem ver. A demonstração de afeto pelo Brasil, por parte dos meus alunos, e de carisma dos dirigentes do Instituto marcam essa colaboração entre o Brasil e São Tomé e Príncipe que, espero, ou esperamos, seja perene.
            Mais uma vez, eu agradeço ao Senhor Embaixador e aos Senhores Peregrino da Costa e João Pontífice. Fomos embora felizes, e, ao fechar a porta da salinha, abrimos a porta de nossas pátrias – interiores e geográficas – para mais, muito mais!

terça-feira, 5 de março de 2013

Dia Internacional das Línguas Maternas. E nós?

A perda de Línguas empobrece a humanidade – diz Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, que acrescenta – “O multilinguismo é nosso aliado na procura de garantir educação de qualidade para todos, na promoção da inclusão e no combate à discriminação. A construção de um diálogo genuíno é baseado no respeito pelas Línguas”.

No dia 26 de fevereiro de 2013, realizou-se, no Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe (ISP-STP), um encontro que teria como foco a discussão de políticas para a valorização e o ensino das línguas maternas de São Tomé e Príncipe, a meu ver, as línguas crioulas. No entanto, deparei-me com um engano: falou-se, sim – pouco –, sobre os crioulos. Mais precisamente, o senhor Caustrino Alcântara deu uma deliciosa aula de forro, um dos quatro crioulos falados em São Tomé e Príncipe (além do forro, fala-se o caboverdiano, o angolar e o lung’Iê, nesta ordem de ocorrência em números). Falou-se sobre o ensino da língua portuguesa – materna? para quem? (creio que seja uma boa ideia de pesquisa...) e também discorreu-se acerca da língua portuguesa “mal-falada” pelos são-tomenses.
O português europeu é língua oficial em São Tomé e Príncipe – e a própria nomenclatura, tendo-se em conta que estamos em continente africano, já me causa espanto –, língua de uma certa elite que supõe deter os poderes sobre os “subalternos”, “maus falantes” da língua do poder, repito, o português. O mais interessante é que este português que se impõe politicamente aqui é o mais distante que se pode imaginar da língua real, falada pela maioria dos são-tomenses, que não têm acesso aos meios “privilegiados” para o “domínio” efetivo desta, repito, distante e irreal língua que as instâncias de poder e os que se autodenominam “elite intelectual” insistem em “usar” para dominar, suavemente, os menos favorecidos – que são a maioria, como dita a regra.
Um povo calado é muito mais “maleável”. Penso que seja talvez por isso que o ensino da língua portuguesa neste país seja tão precário: o Ministério da Educação nunca se preocupou em, sequer, prestar  atenção à língua real, falada no dia a dia do povo, isso sem mencionar as línguas crioulas, que ainda são faladas. Mas, afinal, os grandes culpados por esse “mau uso” da língua portuguesa são os professores dela – que também não a dominam, que ironia – porque o português europeu não é a sua língua. Nunca se pensou em avaliar ou em se questionar o estatuto do português europeu em São Tomé e Príncipe, país africano. O que a imposição, aqui, do português europeu como língua oficial oculta é, no mínimo, uma tragédia social e linguística. E me revolta ouvir são-tomenses falarem de desvios de usos de sua própria língua em relação a uma realidade que não lhes pertence.
É bem verdade que não sou linguista, e o que falo são especulações sobre a sócio-linguística são-tomense, baseada numa realidade linguística brasileira – em que não se discute mais, pelo menos na ciência chamada Linguística, questões como “certo” e “errado” no que diz respeito aos usos da língua “brasileira” pela esmagadora maioria da nossa população. Baseada, também, vale dizer, no convívio com a língua do povo de São Tomé, no contexto de produção textual dos alunos do curso de Letras do ISP, nas dificuldades que os mesmos alunos têm de decodificar um enunciado simples em sua suposta língua materna.
A verdade é que poucas vezes me deparo com estruturas agramaticais (me deparo, sim, com problemas de coesão e coerência internos, mas nunca com frases do tipo que misturam gêneros, como o artigo masculino e um substantivo feminino combinados – isso, sim, agramatical), e que não posso, devido ao meu amadorismo no que diz respeito a questões linguísticas, julgar ou explicar. Mas é certo que a ciência da língua tem uma explicação para os seus fenômenos.
O que me interessa, de fato, é provocar a discussão acerca desses fenômenos, que passam longe de serem “desvios do português” (que português? que padrão? quais são as referências científicas e os parâmetros lógicos para se designar este ou aquele português o padrão, o certo? seria o tempo? o espaço? o número de falantes?...) Não tenho resposta para todas essas questões, por isso divido-as aqui com meus caros interlocutores em potencial, para se pensar num ensino de língua portuguesa mais solidário e mais democrático em São Tomé e Príncipe.
Ademais, sugiro a leitura da obra de Marcos Bagno, Preconceito linguístico, que aclarou as razões por que todo esse discurso sobre o português de São Tomé e Príncipe me incomoda. O que parecia mera suspeição, após ler o texto, tornou-se, para mim, óbvio.

Em tempos “formatados”, ares de delicadeza


Em momentos como este, diante do papel em branco, sinto imensa vontade de ter aquela “iluminação” que só os escritores talentosos conseguem ter. Estar com o pensamento em ebulição e não conseguir transcrevê-los fidedignamente é uma limitação que me inquieta profundamente. Talvez os escritores também digam que pensamentos não se concretizam, mas há algo na escrita deles que me faz sentir os sentimentos que eles escrevem. É exatamente este algo que me falta no momento de me expressar concretamente.
Ressalvadas as limitações textuais, eu, desavergonhadamente – como já tenho demonstrado agir ao promover encontros como o que vou relatar – sinto imensa necessidade de falar de uma curta e eterna tarde de quinta-feira em Lisboa, mais precisamente, como “num filme dos anos 1940”, na Gare do Oriente. Encontro que começou a ser gestado devido a uma negativa que recebi ao pedir alguns exemplares de livros à alguém. O que têm de bom os nãos... e nem sempre percebemos o quanto eles são “aditivos”...
Numa tarde qualquer aqui em São Tomé, inquieta para dar à minha amiga São Lima o presente que deixei em Lisboa, passo os olhos pelos emails que recebo – porque sabia que lá estaria o email do meu escritor – e, mais uma vez, desavergonhadamente, escrevo ao Luandino Vieira uma cartinha breve pedindo os tais livros, e – admito – fui embora sem esperança de resposta. Para minha surpresa e alegria, não só recebi uma resposta – adorável –  e troquei com o Luandino alguns poucos emails importantes sobre literatura, como recebi, mais tarde, uma caixa com vários dos livrinhos publicados pela editora NÓSSOMOS, totalmente descompromissada financeiramente – uma atitude digna de um sujeito preocupado com a literatura, com a divulgação da literatura.
Mais uma vez, deixando de lado toda a minha timidez e meu embaraço em conhecer novas pessoas, comecei a falar com escritores daqui de São Tomé que eu queria presentear o Luandino com literatura são-tomense. Falei com Conceição Lima, Albertino Bragança e Manuel Teles Neto, que não hesitaram em me enviar seus livros. Com as obras deles em minhas mãos, começa, assim, a leve e instigante novela do “marcar o encontro” com o Luandino para, enfim, trocarmos livros e palavras. Como a São Lima estava em Portugal, claro, comecei a incluí-la em nossas mensagens e ela concordou – feliz – em participar do filme!
Antecipei minha viagem para o Brasil por questões pessoais, e mantive o contato com São e Luandino. Até o último minuto eu assumo que achei que nos desencontraríamos, que tudo não passava mesmo de uma ficção. Contudo, no dia 21 de fevereiro deste ano, uma quinta-feira fria em Lisboa, na Gare do Oriente, desenhou-se a cena final do filme que estava sendo produzido desde o primeiro email, e iniciou-se um encontro repleto de delicadezas e emoções finas, sutis.
Um farol no dia cinzento.
Cheguei antes dos dois (até que o Luandino me disse que já havia chegado desde a hora que me ligou, e eu estava no aeroporto, acabando de chegar do Brasil); São viveu uma narrativa paralela ao nosso encontro – perdeu o celular, arranjou outro, procurou uma maneira de acessar a net e pegar meu número, me ligou do celular de um estranho solidário... – e nos abraçamos na Gare. Como o nosso esperado amigo se demorava, ligamos para ele. E em minutos, eis que surge o Luandino para completar a nossa cena. Descemos da plataforma 7 e nos sentamos num restaurante ali mesmo na Gare. Brindamos com vinho, comemos arroz de pato, trocamos presentes, falamos de assuntos descompromissados e suaves, esquecemo-nos um pouco do mundo que corria em redor de nós.
Como por em palavras o que apenas consigo trazer na minha alma? Como posso explicar que um encontro, com aparência de simplicidade, possa me tirar sorrisos de canto dos lábios em momentos completamente (ad)diversos? Como falar dos olhos marejados da São à entrada de Luandino no vagão do trem? Como lembrar da razão exata por que meus olhos também marejaram?
Meus caros São Lima e Luandino Vieira, quem dera fossem vocês a escrever esta minha tentativa de escrever. Talvez tivéssemos um texto mais bonito, inspirado (?)... Mas sou eu a que tenta, apenas por intuição, e levada pela graça do momento em que estivemos juntos.
Para que não se perca a leveza, mas que fique marcada a importância do encontro, pontuo...