segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Casa

De volta a casa, o Rio amanhece no primeiro dia de minha volta definitiva. Ainda um pouco embaralhada com a viagem, o fuso, a saída difícil de STP, tento arrumar o meu caminho de modo a fazê-lo em paz. Tento mais, muito mais, mas o que há de particular é ainda indescritível, uma aventura que continua no tempo, um desejo grande de estar feliz, de "deixar-me ir com o tempo e aconchegar-me". Não são 6h da manhã e já tenho os olhos muito acordados.
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Eu queria que a felicidade não sofresse influências que a tentassem tirar do lugar. Nem que a esperança fosse menor do que algumas distâncias. Queria que todo mundo fosse leal e tivesse bom-senso. Queria que o imponderável fosse sempre bom. Afinal, o que fazemos a não ser lutar pela vida, essa vida que insiste em ser tão bonita?
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Bom dia no Rio... E que o tempo e a implacável distância atlântica não rasurem as felicidades de ter vivido em São Tomé e Príncipe.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Lidar com a viagem: uma pequena arte.

Vão se afastando, lentamente, no tempo, as margens de São Tomé. No entanto, esta partida, física, não foi suficiente para que as memórias se afastassem na mesma medida. Impossível comparar o concreto com o afeto, mais ainda se este afeto é tão recente; sabe, ainda, na boca, a umidade ilhéu.
Lisboa passou em dias corridos. Eu, e a minha tentativa de ser paciente... Eu, e as marcas que me ficaram, "inamovíveis".
Agora, parto para a ilha da Madeira. Mais um colóquio, mais uma forma de ir, aos poucos, cumprindo minha promessa de ler e levar Conceição Lima comigo para onde quer que eu vá. Na bagagem da São, vêm outras descobertas, lembranças de encontros memoráveis, como com Alda do Espírito Santo, em 2009, aceso pelo poema "Gravana". Encontrei-me também com o Fred dos Anjos, em "A mão do poeta", Amigo cujas mãos teimam em escrever na memória histórias das ilhas, memórias de agostos setembros, conversas entre longos e graves silêncios...
Toda vez que estou no ar, sinto-me livre e estranhamente feliz. Escrevo agora enquanto voo, e voa também meu pensamento, fugindo para São Tomé por instantes. Contudo, a vida - a continuidade da vida - me impele, e já não posso negar seu chamado. A vida, e todas as suas novidades, que são o que a faz seguir.
Sigo para mais um olhar sobre o mundo, mais uma ilha para guardar na memória. Preenchemos os momentos com nossa ávida busca pelo equilíbrio, e a felicidade.
A felicidade, esta sensação indizível.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Em 15 de setembro de 2009 foi assim...

(...)
"E é por isso que sem medo, e com o gosto de vontade de vida, não digo, mas sopro o maior "adeus" que poderia. Não te entrego a Deus, mas sim aos ventos, tendo a certeza de que eles saberão exatamente onde você deve pousar na calma da vida. São as palavras que nos calçam: em terra(s), em ar, pouco importa, somos sons, somos vôos, somos o que é grande - o que é pra sermos."

Obrigada, S., por essa carta tão linda que guardei comigo até hoje e que pousará comigo na calma do novo lar, na paz da nova vida, nas belezas dos amores e amizades.

Vim com o vento, e volto com ele.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Do olhar.

É preciso desfazer o nó e transformá-lo em laço. A distância, todas as emoções vividas vão adquirindo formas outras, mais leves, mesmo que mais diáfanas também. Algumas coisas que pareciam concretas se afastam lentamente e se tornam objeto de análise mais profunda e - talvez - mais profícua tendo em vista o desenvolvimento. Já tenho tentado escrever há algum tempo, mas sempre considero que não é o momento, que ainda estou muito ligada a São Tomé e que essa ligação me deixa um pouco míope em relação ao país. Por isso me valho sempre da prudência ao escrever.

Pisar de novo STP não foi fácil - e, desta vez, especialmente diferente -, não é fácil estar em STP. Tanto há para resolver, desde as burocracias até as coisas mais íntimas, que não sobra muito tempo para avaliar - e de novo isso - o tamanho da experiência. Sei que construí uma história, e uma história nada desprezível, construí também pontos de apoio, inventei pessoas, criei personagens que me fizeram sobreviver até aqui. Mas, aos poucos, a realidade vai "chovendo sua chuva fina" e com ela acendem-se verdades, umas muito duras, outras muito especiais. Mas o que será a verdade, afinal? Tenho colocado isso em xeque o tempo todo, tenho me colocado diante do espelho e me feito esta pergunta: quem eu sou agora? Muitas vezes, os espelhos criam imagens deformadas, muitas vezes nós criamos sobre o Outro imagens deformadas - o que não significa que o outro tenha aquelas deformidades. O problema é o modo de olhar e o momento em que se vê. Este que se confunde tantas vezes, este que, não menos, se engana; ah, este olhar, o olhar que desejamos do mundo não é o Mundo.

O olhar de hoje, o meu, está enxergando ruínas, retalhos pequenos. Ele deixa rastros de alegria e de dor. E ele leva isso tudo também, gravado na retina. Como recuperar a felicidade? Como recuperar a alegria de sambar - sem saber sambar - na Lapa, de caminhar pelo calçadão de Copacabana, de sentir o cheiro do Rio... se ainda tenho uma parte presa em São Tomé. Como me desvencilhar? Uma boa ideia é levar tudo na mala, tudo tudo tudo. Assim, não fico me lembrando do que deixei, ainda que seja a menor coisinha. Não posso deixar nada. Porque preciso escrever sobre a poesia de Conceição Lima, porque preciso contar a minha história neste país, porque preciso aprender a dar valor à história que escrevi em quatro anos. Porque preciso de isenção. E preciso deixar secar tudo o que me fez sofrer. Mas não deixar secar o coração. Tarefa complicada.