sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Sobre África e ensino no Brasil


Prezadas senhoras e prezados senhores,
Desejo compreender melhor a aplicação da lei 10.639/03, que prevê o estudo de História e Cultura Afro-brasileiras nas escolas de nível básico do Brasil, particularmente no estado do Rio de Janeiro, onde vivo e trabalho atualmente. Sou professora de Ensino Médio – embora esteja desvinculada de instituições educacionais no momento – e sou aluna do doutorado em Literaturas Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Minha pesquisa tem foco nas literaturas africanas dos países de língua oficial portuguesa.
Transitando entre contextos tão diversos, percebo uma lacuna entre o que estudamos na Universidade e o que pretendemos lecionar acerca da África ou da cultura de herança africana no Brasil nas escolas básicas. Tive o cuidado de ler os livros didáticos adotados para o ano que vem, 2016, e encontrei, confesso que com alguma frustração e inquietação intelectuais, algumas poucas páginas com referências vagas a escritores africanos e uma breve descrição: quem são, quando nasceram, de que país são, que literatura fazem. Este último ponto, “que literatura fazem os escritores”, talvez seja o mais carente de cuidados. Em primeiro lugar, estamos tratando de 5 países de culturas absolutamente diversas e não é possível resumir as obras a um ou dois poemas e excertos de prosa sem contextualizar, histórica, cultural e politicamente a situação de cada um dos países: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Além da falta de material mais consistente sobre a imensidão do continente africano, há uma tentativa de aproximação da nossa cultura afro-brasileira com a África, pelo viés, já em fase de contestação no mundo acadêmico, do “exótico”. Devo esclarecer que temos, de fato, duas linhas a se avaliar concretamente: uma, o que são as literaturas dos cinco países africanos que têm a LP como língua oficial e, outra, o que é o movimento literário afro-brasileiro (bastante diferenciado do que é a África e os estudos da África de LP em si).
Vivi durante quatro anos em São Tomé e Príncipe como Leitora no Instituto Superior Politécnico do país, hoje, Universidade de São Tomé e Príncipe. Também tive a chance de ir a Cabo Verde em diversas ocasiões. Voltei às salas de aula brasileiras em 2014. Por isso, devo, como princípio ético que adoto em minhas pesquisas, alertar para o reducionismo que se faz de tais culturas nos manuais didáticos que circulam no país atualmente no que diz respeito, mais especificamente, à literatura.
Gostaria de saber como contribuir para que pesquisas mais apuradas e aprofundadas sejam feitas, a fim de se empreender a produção de um material didático digno da realidade daqueles países africanos aqui mencionados e da realidade dos estudos afro-brasileiros. Como pesquisadora, não posso compactuar com o reducionismo a priori mencionado praticado por escritores renomados de livros didáticos. 
Ademais, há falta de preparo e estudo de professores para lecionarem tais conteúdos no Ensino Básico, mais precisamente, no Ensino Médio. Com isso, reitero a sensação (ou a certeza) de que temos uma lacuna entre este e a Universidade.
Como fazer a ponte entre os saberes construídos no mundo acadêmico e o processo da educação básica, sem nos deixarmos levar pela armadilha de que há uma África apenas e “uma” cultura africana a ser estudada? Essa tem sido a minha grande preocupação e, por isso, envio esta carta, certa de que ainda há tempo de aprofundar os estudos e as pesquisas e dar mais atenção ao grande passo que foi a implementação da lei 10.639/03.
Cordialmente, subscrevo-me,
Naduska Mário Palmeira
Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2015.