quarta-feira, 25 de abril de 2012

E o meu medo...

Tenho medo da Paulina Chiziane. Tenho medo de julgamentos sobre uma terra - alheia - descabidos e totalmente a parte da realidade do país de que se fala. Tenho medo de quem veicula para grandes grupos "ocultos" - como se fosse meritório - informações que não correspondem à realidade do Brasil de hoje e que endossam "desabafos" despropositados, de uma nobre escritora que foi convidada a ir para a Bienal de Brasília, com toda a cordialidade que é "essência" do povo brasileiro. Um povo que luta para reparar os erros cometidos no passado - que já não são mais nossos, mas reminiscências de um processo de colonização capenga e de abolição da escravidão não menos problemática (no séc. XIX) - , luta por uma inserção de negros e nordestinos, pobres e favelados (brancos, mulatos, cafusos, mamelucos, nissei, sansei...) na sociedade atual, para resultar, mais tarde, na sociedade equânime e justa a que almejamos. Um país que se assume mestiço, e não branco, que admite em sua sociedade todas as cores de todas as gentes - ainda que haja pequenos grupos conservadores e reacionários que tratem os seus de formas diferentes determinadas pela cor, pela classe social, pelo grau acadêmico ou, ainda, pela quantidade de bens "visíveis" que alguns têm. A Sra. Paulina Chiziane falou, e o seu discurso ecoou muito aqui, em mim, pois a vi perfeitamente vinculada à minoria conservadora, que ignora as benesses do contato cultural entre nações que se dizem irmãs, ignora a liberdade de expressão, tendo em vista que as pessoas podem optar por se vincularem a qualquer manifestação religiosa que melhor lhes aprouver, ignora que o novo não extermina a tradição, ignora o quanto é preciso ter cuidado ao falar de novelas, quando as novelas não são a nossa melhor expressão cultural (e José Cardoso Pires, grande escritor português, na década de 1980 já dizia isso...), ignora que em território alheio o mínimo que se pode ter é diplomacia para lidar com a cultura local e que o mais importante é, antes, conhecer sobre o objeto da crítica para não cair em eventuais e frequentes erros, como os que eu, infelizmente, li agora na declaração-desabafo da escritora. Deixo claro, no entanto, que respeito Paulina Chiziane, e lembro que preservar a tradição significa não excluir a preservação de certas tradições moçambicanas, as quais a senhora repudia, como a poligamia, por exemplo. A meu ver, trata-se de uma tradição tal qual o curandeirismo o é, e, paradoxalmente, é retratada em obras da autora: a primeira, tradição demonizada, a segunda, ameaçada pela entrada das igrejas brasileiras. Sei que em Angola tais igrejas foram expurgadas. Não faço nenhum tipo de julgamento no que diz respeito a isso, prefiro não me manifestar sobre aquilo que não conheço. Fica a dica de se retroceder politicamente em Moçambique, e deixar o Estado intervir e proibir que entrem manifestações culturais diversas daquelas que são a legítima tradição do seu país. No mais, toda essa história de originalidade, pureza, etc... acabou em guerras cruéis. E, finalmente, convido a escritora a assistir mais às novelas. Fazem bem a uma mente cansada... E, depois de um dia exaustivo de trabalho, mergulhar um pouco na ficção... brasileira... é bonito ver tantas nuances, tanto colorido humano num espaço tão curto de tempo...

Um comentário:

  1. Recebi o seguinte comentário, muito a propósito de tudo isso que me deixou bastante chocada: "O interessante é que ela (a escritora Paulina Chiziane) não vê que apesar das novelas, esse brasileiro que nas novelas varre e carrega, já está varrendo para o lado da História essa história, e carregando, no presente, cada vez mais conquistas." (ML)

    ResponderExcluir