Tenho medo da Paulina Chiziane.
Tenho medo de julgamentos sobre uma terra - alheia - descabidos e
totalmente a parte da realidade do país de que se fala. Tenho medo de
quem veicula para grandes grupos "ocultos" - como se fosse meritório -
informações que não correspondem à realidade do Brasil de hoje e que
endossam "desabafos" despropositados, de uma nobre escritora que foi
convidada a ir para a Bienal
de Brasília, com toda a cordialidade que é "essência" do povo brasileiro.
Um povo que luta para reparar os erros cometidos no passado - que já
não são mais nossos, mas reminiscências de um processo de colonização
capenga e de abolição da escravidão não menos problemática (no séc. XIX)
- , luta por uma inserção de negros e nordestinos, pobres e favelados
(brancos, mulatos, cafusos, mamelucos, nissei, sansei...) na sociedade
atual, para resultar, mais tarde, na sociedade equânime e justa a que
almejamos. Um país que se assume mestiço, e não branco, que admite em
sua sociedade todas as cores de todas as gentes - ainda que haja
pequenos grupos conservadores e reacionários que tratem os seus de
formas diferentes determinadas pela cor, pela classe social, pelo grau
acadêmico ou, ainda, pela quantidade de bens "visíveis" que alguns têm. A
Sra. Paulina Chiziane falou, e o seu discurso ecoou muito aqui, em mim,
pois a vi perfeitamente vinculada à minoria conservadora, que ignora as
benesses do contato cultural entre nações que se dizem irmãs, ignora a
liberdade de expressão, tendo em vista que as pessoas podem optar por se
vincularem a qualquer manifestação religiosa que melhor lhes aprouver,
ignora que o novo não extermina a tradição, ignora o quanto é preciso
ter cuidado ao falar de novelas, quando as novelas não são a nossa
melhor expressão cultural (e José Cardoso Pires, grande escritor
português, na década de 1980 já dizia isso...), ignora que em território
alheio o mínimo que se pode ter é diplomacia para lidar com a cultura
local e que o mais importante é, antes, conhecer sobre o objeto da
crítica para não cair em eventuais e frequentes erros, como os que eu,
infelizmente, li agora na declaração-desabafo da escritora. Deixo claro,
no entanto, que respeito Paulina Chiziane, e lembro que preservar a
tradição significa não excluir a preservação de certas tradições
moçambicanas, as quais a senhora repudia, como a poligamia, por exemplo.
A meu ver, trata-se de uma tradição tal qual o curandeirismo o é, e,
paradoxalmente, é retratada em obras da autora: a primeira, tradição
demonizada, a segunda, ameaçada pela entrada das igrejas brasileiras.
Sei que em Angola tais igrejas foram expurgadas. Não faço nenhum tipo de
julgamento no que diz respeito a isso, prefiro não me manifestar sobre
aquilo que não conheço. Fica a dica de se retroceder politicamente em
Moçambique, e deixar o Estado intervir e proibir que entrem
manifestações culturais diversas daquelas que são a legítima tradição do
seu país. No mais, toda essa história de originalidade, pureza, etc...
acabou em guerras cruéis. E, finalmente, convido a escritora a assistir
mais às novelas. Fazem bem a uma mente cansada... E, depois de um dia
exaustivo de trabalho, mergulhar um pouco na ficção... brasileira... é
bonito ver tantas nuances, tanto colorido humano num espaço tão curto de
tempo...
Recebi o seguinte comentário, muito a propósito de tudo isso que me deixou bastante chocada: "O interessante é que ela (a escritora Paulina Chiziane) não vê que apesar das novelas, esse brasileiro que nas novelas varre e carrega, já está varrendo para o lado da História essa história, e carregando, no presente, cada vez mais conquistas." (ML)
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