quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Uma carta de AQ.

Meu amigo AQ, não posso guardar só pra mim tanta beleza...

"Querida, amiga querida:

Estava eu pensando em você e senti não somente carinho como vontade de lhe escrever assim, sem mais, agora, falando de um fim de ano que é, ao mesmo tempo, o começo de uma nova virada na sua vida depois desses anos de Equador.

Naduska e seu gatil transatlântico.

Naduska e sua poesia.

Naduska, seus sonhos e suas vontades.

Naduska e sua palmeira aos ventos transplantada.

Ter ido à linha de Equador me deu, entre outras coisas, a oportunidade de constatar que não existe geografias contra a amizade, o carinho, os afetos.

Naduska Palmeira no meio de tudo isto.
Como vinho.
De palmeira.

Como diria João Cabral,

"Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro".

Como uma flor mesmo equilibrada sobre a linha do horizonte
onde Naduska.


Muito obrigado, minha amiga.

Dezembros outros venham, e que não venham em vão."

Fim de período

Chegamos, finalmente ao fim do ano e ao quase-fim do primeiro semestre letivo no ISP-STP, 2012/13.
Deixo São Tomé na próxima sexta para apresentar, na Universidade de Lisboa, um trabalho sobre Caetano da Costa Alegre, poeta são-tomense, uma espécie de precursor da literatura deste país (1864-1890).

Me despeço, assim, do ano com uma poesia de Costa Alegre:

Ergui meu olhar cansado e pesaroso
Para a amplidão do espaço imenso e luminoso,
A procurar Deus.
Interroguei o sol, a estrela vespertina
A lua cintilante, alvíssima, argentina,
E a imensidão dos céus.

E o sol, a estrela, a lua, os céus, o espaço...tudo
Num coro misterioso, indefinível, mudo,
Me respondeu então:
-Se queres ver o Deus, para ti imaginário,
Abre, ó louco poeta, ó doido visionário,
Os olhos da Razão.

Artigo de Conceição Lima no Téla Nón

Acesse o link:

http://www.telanon.info/suplemento/opiniao/2012/12/11/12003/patrice-trovoada/

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Silêncio, por favor...

Há imagens que dizem mais que qualquer texto que tente ser eloquente. Essas imagens fizeram triste o meu dia:

Doado pela cooperação francesa. "Bus" em desuso.

Não sei se foi doação. Em desuso.

domingo, 11 de novembro de 2012

Sorriso de Conceição.

No dia 08 de novembro, no Café Avenida, cidade de São Tomé, dei um abraço forte na minha amiga São Lima.

Noticiar um abraço é vital para os dias de hoje, em que apenas se noticiam tragédias, anunciadas ou não, e os jornais só dão desgosto... ou acendem o gosto pelo supérfluo como forma de evasão...

O nosso abraço seguiu-se de um conversa muito rápida, pois a poetisa partiria para o Brasil no dia seguinte, e estava feliz. Ora, São Lima estava feliz, com um sorriso aberto, com seu olhar inconfundível e perscrutador, atento a cada movimento que se seguia no Café. E atenta, ela, à nossa conversa que demorou em média 10 minutos, junto à entrega de uns "Versos" para que eles voassem para o Brasil (mais precisamente, pro Ceará).

Depois do abraço final, de boa viagem, que tudo corra bem por lá, que aqui as coisas fiquem bem também, voltei para casa com a imagem da São na minha cabeça: São sorria, um pouco eufórica, talvez, e sorria grande, sorria de um sorriso que lhe iluminava a cara. Como podem 10 minutos valerem horas de felicidade, horas de deleite? Em meio às dificuldades de São Tomé - por que ambas passamos, cada uma a seu jeito - 10 minutos valem até hoje pra mim, ressoam, ecoam em alegria, por saber que São está no Ceará, revendo amigos antigos, conhecendo pessoas novas, dando a conhecer seus poemas, falando de si, falando de sua terra.

Ousei escrever esse pequeno texto sobre o sorriso da São para transformar a minha sensação, abstraída na volta pra casa naquele dia 8 de novembro, em palavras concretíssimas que embora não expressem um centésimo do que eu carrego comigo, de alguma maneira deixam firmadas as minhas impressões daquele encontro sorridente. Scripta manent.

Voilà!

Para a São Além-Oceano, de mim, que aqui fiquei lembrando-me do seu sorriso.

Vamos comer Caetano?



Senhoras e senhores, boa noite.

            É com muita satisfação que a Embaixada do Brasil, o Centro Cultural Brasil – São Tomé e Príncipe e o Leitorado Brasileiro – por ter trabalhado na edição –, que hoje é representado por mim, estão aqui hoje para acender novas luzes sobre o poeta são-tomense Caetano da Costa Alegre, fazendo uma revisão do séc. XIX para o lermos hoje no séc. XXI, com a atemporalidade digna de um artista.
            Não me estenderei em análises de sua obra, pois a professora do Instituto Supeior Politécnico Sónia Almeida, nossa convidada, o fará com pormenores. Apenas gostaria de ressaltar aqui a importância do lançamento e da disponibilização de uma obra que é fundamental para a literatura deste país, e que se quedava muda desde 1994, quando de sua última edição pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda, de Lisboa.
            Há muito ouço, pelas minhas andanças em salas de aula no Instituto Superior Politécnico e através dos famosos boatos são-tomenses, consagrados pela poesia de Alda do Espírito Santo, no seu “sagrado solo”, que neste país não existe uma literatura digna de menção detalhada em livros didáticos do ensino básico ou liceático, e até mesmo que há pouca literatura para ser estudada em sala de aula por alunos do ensino superior da área das Letras, justificando, dessa forma, menos espaço para a análise dela nas grades curriculares.
            Presumo que tenha me deparado aqui com um erro – ou com uma possível falta de informação: desde que cheguei a São Tomé e Príncipe, em setembro de 2009, venho pesquisando a sua literatura, não apenas por ser essa a minha área de atuação, meu trabalho e minha verdadeira paixão, mas também porque senti a necessidade de desmentir tais boatos e de mostrar, pelo menos aos meus alunos, entre as quatro amplas paredes de uma sala de aula num instituto superior que existe, sim, uma literatura e o estudo dela os fará ser os cidadãos críticos da sociedade são-tomense futura.
            Talvez seja hora de olhar para dentro de si e se perguntar: quem verdadeiramente sou? Quem eu quero ser?
            Acredito na literatura, sem romantismos ou ideologias utópicas de minha parte, como uma eficaz fonte de tomada de consciência histórica, nacional e linguística. Não venho aqui dizer que a literatura pode salvar a humanidade, mas ela pode salvar um indivíduo: ela abre as mentes, ela incomoda, põe-nos a pensar, a questionar paradigmas, dogmas sociais e políticos, ela nos faz pensar de forma independente, ela cresce em nós à medida que é desvelada. E ela cresce nas ruas e nos discursos à medida que é estudada e trazida à luz.
            No Brasil, desde a década de 1920, vimos construindo uma pátria literária: sobrepujamos a necessidade obsessiva da auto-afirmação, já não questionamos, a um molde negativista, nossa identidade plural, mestiça, já não alimentamos fantasias colonialistas ou rancores xenofóbicos. Para tanto, precisamos, antes, valorizar o povo que fomos e construímos, precisamos levar para as elites políticas e sociais a língua do mestiço, a língua brasileira, falada nas ruas, cantada nas nossas músicas; língua nova, revelada pelos artistas do Modernismo. Com esta língua nos reconciliamos com a nossa origem, com as nuances de nossas cores, com nossos vários sotaques, enfim, com o que hoje podemos chamar Pátria.
            São Tomé e Príncipe, apesar da distância geográfica em relação ao Brasil, teve um percurso um tanto quanto parecido com o nosso: história de colonizadores e heróis, história de mitificação da história, de luta e revolução com palavras, de frontalidade com a realidade. É claro que não posso comparar a história de uma nação de quase duzentos anos com a de outra de 37 anos. No entanto, sinto que a passos largos, os são-tomenses, ainda que muitas vezes de maneira inconsciente, têm buscado conhecer-se, situar-se no mundo atual. Se não conhecer-se, ao menos encontrar-se.
            Talvez a literatura possa apontar o caminho dessa busca, mas é preciso voltar ao séc. XIX e esclarecer o posicionamento ideológico e cultural de seus artistas, obscurecidos pela política colonial à época, e mais tarde, oprimidos por um regime que coibia a liberdade de expressão. É uma história de traumas, mas não menos de lutas e resistência.
            Caetano da Costa Alegre, tantas vezes obliterado no seu solo pátrio por Francisco José Tenreiro (que seja a ele dado o lugar devido, claro) viveu em São Tomé e Príncipe, mais precisamente na ilha de São Tomé. Viveu aqui 19 anos e foi estudar na Metrópole, nos finais do século retrasado. Defrontou-se e confrontou-se com uma sociedade branca, racista, de mentalidade opressora. Sentiu, no entanto, a poesia correr em suas veias e encontrou nela uma via de liberdade de expressão. Foi um homem negro que trabalhou com as palavras a antítese frisante de que nós todos, seres humanos, ora somos compostos. Não rejeitou a sua cor ou a sua nacionalidade; exaltou a beleza da mulher negra, sentiu as tristezas próprias de um jovem rejeitado pelas mulheres da metrópole, enveredou-se pelo naturalismo – influenciado, talvez, pela sua relação com a medicina – desvelou o homem, idealizou o amor romântico, tratou das questões da cores negra e branca como material artístico.
            Acredito em processo literário, assim, acredito que, muito mais que “fundar” uma literatura são-tomense, Caetano da Costa Alegre fez parte deste processo de tentativa de inclusão sua e dos demais leitores de seus Versos, mais tarde, numa sociedade outrora desigual e opressora. Hoje, no entanto, podemos chamar os Versos de obra fulcral para compreensão do sentimento de um homem negro numa sociedade racista. E para, em processo de maturação, compreendermos os homens todos, vivendo juntos, homens mestiços na pele e no pensamento, inventando um modo novo de ser e estar no mundo, com apenas 37 anos de idade.
            Assim, volto ao ponto inicial, pois, como já disse antes, caberá à professora Sónia Almeida falar mais sobre o poeta da noite: Caetano da Costa Alegre, como muitos outros que vieram depois dele e viveram verdadeiramente São Tomé e Príncipe, são dignos de figurarem em nossas salas de aula, em nossas conversas diárias, em nosso imaginário mítico, ético, político e social. Basta que se acredite nesta nação em processo. Olhar para dentro de nós mesmos, investigar os cantos de nossa nacionalidade, colocar de lado o nacionalismo indeciso e incerto: a arte literária proporciona a organização e a maturação de tais pensamentos, incomodando-nos à exaustão, como que gritando: “existimos”.
            Nesta noite eu convido a todos que aqui estão a conhecer Caetano da Costa Alegre, o poeta que da Europa mostrou que São Tomé e Príncipe existe, que possui suas idiossincrasias como todo país, e que, hoje, é uma nação em processo de reconstrução identitária e em franco processo de valorização de si mesma.
Muito obrigada.

Naduska Palmeira

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Em dia de "Versos"


A Embaixada brasileira em São Tomé lançará, em 9 de novembro próximo, edição de Versos, do poeta santomense Caetano da Costa Alegre.
Fruto da cooperação cultural brasileira, o lançamento visa ao preenchimento de duas lacunas: a primeira, mais objetiva, a ausência de edição lançada em solo santomense; a outra, a divulgação aos estudantes e amantes da cultura de São Tomé e Príncipe dessa obra fulcral, produzida pelo primeiro escritor da terra cuja lembrança resiste à passagem do tempo. Nesse sentido, a Embaixada brasileira destinará livros a liceus, institutos superiores de ensino e instituições ligadas à educação e cultura.
Caetano da Costa Alegre aqui nasceu em 1864, vivendo em sua terra até 1882, quando se muda para Portugal a fim de estudar medicina, falecendo naquele país em 1890. Sua obra, preservada pelo amigo e jornalista Cruz Magalhães, caiu no gosto popular da virada do século 19 ao 20, em função principalmente de seus temas românticos e, contraditoriamente, da abordagem de outros, chocantes e de vezo naturalista. Costa Alegre interessa muito e especialmente também pela tematização étnica: negro numa sociedade elitizada europeia, transbordou para seus versos uma percepção complexa da alteridade. Muitos críticos o julgam apenas um recalcado, que plasmou seu complexo de inferioridade em versos; outros, porém, ultrapassam essa leitura meramente psicológica e enxergam no autor uma espécie de farol que ilumina um momento de integração contraditória dos africanos no sistema cultural ocidental, algum tempo antes da onda negritudinista de Césaire e Senghor.
O livro contará com prefácio crítico de minha autoria, cujas ideias básicas serão brevemente expostas ao público no lançamento, que contará igualmente com minha colega de Instituto Superior Politécnico, a professora santomense Sónia Carvalho, autora de dissertação de mestrado sobre o autor, defendida na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.
Feche-se com “Visão”, poema dessa referencial obra da cultura de São Tomé e Príncipe:



Vi-te passar, longe de mim, distante,
Como uma estátua de ébano ambulante;
Ias de luto, doce, toutinegra,
E o teu aspecto pesaroso e triste
Prendeu minha alma, sedutora negra;
Depois, cativa de invisível laço,
(o teu encanto, a que ninguém resiste)
Foi-te seguindo o pequenino passo
Até que o vulto gracioso e lindo
Desapareceu, longe de mim, distante,
Como uma estátua de ébano ambulante.


Naduska Mário Palmeira

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Fundação Palmares e ABC/MRE - Edital

Prezados,

a Fundação Palmares, em conjunto com a ABC/MRE abriu o edital da Cooperação Sul-Sul "Conexão Brasil-África". Como todos sabem, moro em São Tomé e Príncipe e gostaria de encontrar uma instituição para fazer parceria com alguma instituição são-tomense e executar o projeto, que deverá ser apresentado até o dia 30 de novembro. Há várias linhas de atuação, e creio que possamos atuar em áreas como alimentação, inclusão social, preservação do patrimônio imaterial, e até mesmo em questões políticas e econômicas.

Eu pediria que, se houver algum interessado, escrevesse para mim, depois de ler o edital, indicando a área em que podemos atuar juntos. É imperdível esta chance que temos de "apertar" mais os laços entre nossos países.

Universidades também são bem-vindas, já que atuo aqui num Instituto Superior Politécnico que carece de recursos materiais e humanos para funcionar a 100%.

Desde já, agradeço a atenção de todos.

Um forte abraço desde as terras quentes do Equador!

www.palmares.gov.br/conexaobrasilafrica/edital/




O sucesso do cinema itinerante em São Tomé!

É para nos deleitarmos!

http://www.telanon.info/cultura/2012/11/01/11668/cine-itinerante-do-centro-cultural-do-brasil-animou-norte-de-sao-tome/


Parabéns para a Leila Quaresma, diretora do Centro Cultural Brasil - São Tomé e Príncipe, para todas as pessoas que se mobilizaram nesta ação, que foi um sucesso! Isso sim é amor a São Tomé!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A nossa sala, em novembro de 2012

A sala do Leitorado do Brasil no Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe existe desde finais de 2010, muito embora o Leitorado esteja aqui desde setembro de 2009.

Contei com o apoio de amigos, do CCB-STP, das doações de nossos convidados que passaram por aqui e de uma mala de livros que trouxe para cá para ter as prateleiras interessantes e cheias! Na verdade, estão quase cheias, mas eu garanto que vamos precisar de mais prateleiras enquanto o leitorado existir nesta terra.

Dividir com alunos, professores, visitantes, curiosos... a preciosidade de cada livro doado é, para mim, um prazer enorme. Sendo assim, vejam o que temos por lá!

Tem cordel e poetas, tem!

Tem presente dos alunos, tem!

Tem estante esperando mais livro, tem!

Tem Raízes do Brasil também!

Livros de diversas áreas, tem sim!

Revistas, periódicos, autores de muitas línguas, tem!

E mais presente de Zenilda. Se tem!

E o ano do Nordeste também!!!

Muita divulgação!

Um espaço bem acolhedor, tem, tem!

E uma vista como a de ninguém...

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Breve retrospectiva imagística de 2012.

A foto clássica: o cordelista e repentista José Maria de Fortaleza, Leila Quaresma (Diretora do CCB-STP), Sr. Gonçalo Ferreira (Presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel), eu (leitora), Tião Simpatia (cordelista e repentista).


 Os repentistas cantando no Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe (ISP-STP)



Os nossos três convidados do mês de março no anfiteatro do ISP-STP.


Professor Amarino Queiroz (UFRN), Professora Ana Lúcia Souza (UFBA) e a poeta são-tomense Conceição Lima na Rádio Jubilar, em maio.


Eu e o Professor e Amigo Amarino, na Rádio Jubilar.


Reunião das alunas Arlete, Lisinaite e Eteldilaide, que se inscreveram no processo do PEC-PG, com Amarino e Analu, na sala do Leitorado Brasileiro.



Palestra da Professora Ana Lúcia Souza (UFBA), no ISP-STP. Contamos com a presença do Sr. João Pontífice, atual vice-presidente do ISP, e do Exmo. Embaixador do Brasil em São Tomé José Carlos de Araújo Leitão.

Professora Ana Lúcia no ISP.

Encontro em sala de aula, no ISP,  com meus convidados Analu e Amarino!


Lançamento da Edição especial do livro O útero da casa, da poeta Conceição Lima, que contou com minha apresentação e meu posfácio, a convite da poeta. Em junho.

Palestra do Professor Eduardo de Assis Duarte (UFMG) no ISP-STP, no âmbito das comemorações dos 100 anos de Jorge Amado. Contei com a presença do Exmo. Sr. Embaixador do Brasil em São Tomé José Carlos de Araújo Leitão. Setembro.

O Professor Eduardo de Assis Duarte, especialista na obra de Jorge Amado.

sábado, 27 de outubro de 2012

Rádio Jubilar: Literatura, Literatura nos PALOP, Literatura São-tomense - Perspectivas

Estivemos hoje, eu e o nosso Primeiro Secretário Maurício do Carmo, em uma deliciosa conversa com o Gil Vaz na Rádio Jubilar, no programa Estação Brasil - que vai ao ar todos os sábados, às 15h, na 91.9 FM.

Falamos da importância do estudo da literatura, do Brasil e da questão da superação da antiga cobrança de se ter ou se forçar - como já foi dito por aí - uma "literatura brasileira"; falamos dos escritores proeminentes dos PALOP, e falamos de São Tomé e Príncipe.

Parece-me consensual o fato de que é preciso olhar com mais carinho e critério para a literatura daqui. Estudá-la com rigor. Comprometer-se com ela de perto, no campo de batalha. Exigir das autoridades que são responsáveis pela educação a criação de uma livraria, já que supermercado, hoje, há por aqui. É o progresso, o progresso sem livros.

É preciso fazer com que os são-tomenses acreditem em si mesmos, acreditem que a literatura que eles têm é o seu tesouro, é a representação de sua pátria, é a escrita, em alguma medida, de sua história.

Mas eu lanço a minha eterna dúvida: qual a dificuldade de se fazer uma livraria em São Tomé? Um país de Caetano, de Marcelo, de Tomás, de Albertino, de Aíto, de Alda, de Maria Manuela, de Frederico, de Conceição... Como algumas almas irresponsáveis ousam dizer que "aqui não há literatura digna de se estudar ou de figurar nos manuais escolares"???

Ouso sugerir: abrir-se uma banca com livros, a que se possa chamar, decentemente, de livraria, não custa caro. Custoso é saber que a mentalidade de uma nação se constrói em conformidade com a desgovernança (doces, sorvetes, cervejas, inutilidades várias...). Ler é muito perigoso, talvez Rosa o dissesse.
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A entrevista correu bem, e seguem as famosas fotinhas de Gil e Dulce, os atores do Estação Brasil do dia 27 de outubro de 2012.




Além da maravilhosa presença do Gil Vaz, que é um grande jornalista, apareceram por lá os poetas Marcelo da Veiga, Francisco José Tenreiro e Caetano da Costa Alegre, para quem eu passo a voz agora, nos próximos versos:

"Irmãos: não dêem razão aos que nos mordem!
Independência não é nada disso...
Não é essa desordem
Que transforma em inferno um cortiço.

Independência não é
Vadiar, viver sem respeito,
Por tudo bater com o pé
E inchar, qual balão, o peito.

Independência é uma coisa bela
E santa, mas é preciso compreendê-la!
Não é para o qual-qual a independência!
Como a bonita mulher
Quem a ama e pretende e quer,
Há de ter consciência
De não seu um joão-ninguém qualquer;

De com a força dos seus braços
Sempre bonita trazê-la;
Adivinhar-lhe os pensamentos;
Ampará-la nos nossos passos
Contra a ira de todos os ventos
De cobiças defendê-la." (Independência, Marcelo da Veiga)

"Nasci naquela terra distante
num dia de batuque.

Daí esta pressa de viver!

Ombros balançando
lábios sangrando de prazer
eles dançavam
dançavam...

Daí este olhar pró sofrer!

Depois o descanso.
Olhos longe sem se saber porquê

Assim esta vontade de viver!" (In. Ilha de nome santo, Francisco José Tenreiro, 1942)

"Teu riso, teu olhar - ardente paraíso -
Com teu formoso leque escusas de ocultar,
Que ainda assim me abrasa o fogo desse riso,
Que ainda assim me queima a chama desse olhar." (No leque duma andaluza, Caetano da Costa Alegre)

domingo, 21 de outubro de 2012

Finalmente, Caetano da Costa Alegre

Lançamento do livro Versos

"O Centro Cultural Brasil-São Tomé e Príncipe tem o prazer de informar que no dia 09 de novembro, às 18h, lançará nova edição de Versos, livro referencial para o estudo da literatura e cultura são-tomenses, cuja publicação foi possível graças ao patrocínio do Governo Brasileiro, por intermédio de proposta da Embaixada do Brasil para o seu programa cultural de 2012.

Caetano da Costa Alegre, poeta nascido em São Tomé em 1864 e falecido em Portugal em 1890, é autor de poemas cujo estudo lança luzes para o entendimento do sentimento identitário de São Tomé e Príncipe. Trata-se do primeiro escritor que levou ao sistema literário ocidental a percepção de mundo construída nos seus primeiros dezenove anos de existência, vividos nestas ilhas, em choque com sua ambientação em Portugal, onde faleceu precocemente sete anos após sua chegada."
(CCB-STP)

O livro conta ainda com o prefácio escrito pelo amigo do poeta Cruz Magalhães em 1890, o primeiro a publicar os Versos, em 1916. Conta também com um estudo crítico assinado pelo Leitorado Brasileiro. Todo o trabalho teve a colaboração do Cultural da Embaixada do Brasil em São Tomé e da artista plástica brasileira Nati Borba, que idealizou a capa da edição. Além de uma nota carinhosamente escrita pela poeta Conceição Lima.

Aos residentes neste país, o convite está lançado. Aos de fora, fica a informação de que muito em breve Caetano da Costa Alegre voltará a ter lugar nas bibliotecas das escolas e nas bibliotecas públicas do país. E, assim esperamos, voltará a ter o seu lugar de direito no contexto da literatura de São Tomé e Príncipe.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Um pouco de lirismo numa história de realidades.


É inevitável que esta minha voz, às vezes, se sinta um pouco rouca, cansada. Por aqui, o clima equatorial deixa as coisas bem mais “devagares” do que o natural corre-corre da vida na cidade grande, e a tecnologia nem sempre está a nosso favor. A chuva, que deu o ar de sua graça, inunda minha vida, minha rua e meu prédio. Cada dia que passa é um deus-nos-acuda o sair-de-casa. Afinal, choverá hoje? A chuva também interfere nos serviços de comunicação... Nada mais normal!
Todos os dias, é como se tivéssemos de quebrar, com uma marretinha, um muro imenso de dificuldades para dormirmos, ao final da tarde – anoitece antes das 18h, lembremo-nos disso! –, com a sensação, ainda longínqua, de que quase-tudo dos afazeres diários foram cumpridos. Nós, os seres de vida normal, suamos o dia inteiro, literal e metaforicamente.
No entanto, no último dia 15 de outubro, eu tive a nítida sensação de que, mais do que quebrar muros, moveram-se montanhas aqui pelas ilhas. Trata-se do caso das meninas Lisinaite Boa Morte de Carvalho Vaz, Arlete Encarnação de Almeida e Eteldilaide Manuel Ferreira. Serei muito breve, pois espero ser lida, espero apresentar-lhes essas são-tomenses queridas minhas, e sei que, em meio ao cansaço diário, muitos não conseguem ler sequer uma matéria de jornal simples (só serei breve por isso, pois esse trio mereceria mais dedicação...).
Voilà! Sabe-se que o Brasil oferece, todos os anos, para estudantes estrangeiros, uma bolsa de estudos – o PEC, Programa de Estudante Convênio – e que num país como São Tomé e Príncipe quem se beneficia de tais programas são, em geral,  alunos de instituições privadas que vão para o Brasil fazer a graduação (PEC-G) ou alunos que já fizeram o G e vão tentar o PG, pois já deixaram a vida “mais ou menos acertada” no período dos quatro anos da faculdade. Vale lembrar que os alunos que já estudaram no Brasil são membros até mesmo de uma Associação – fazem eventos ligados à cultura brasileira em conjunto com o Centro Cultural Brasil – São Tomé e Príncipe, e , creio eu, trata-se de uma Associação aberta a qualquer ex-aluno que foi beneficiado por nossas bolsas (boa dica para quem ainda não sabia da Associação é procurá-la e começar a trabalhar também!).
Penso que hajam algumas razões óbvias para que as coisas ocorram assim, ainda um tanto quanto elitizadas, quais sejam: acesso aos meios de comunicação com mais facilidade, acesso a escolas privadas – que, como no Brasil, são aquelas que mais “aprovam” em exames como o vestibular, por exemplo –, acesso à informação, facilidades financeiras e, finalmente, apoio humano para a saída daqui.
O que aconteceu no último dia 15 de outubro – feriado para nós, professores brasileiros! –, último dia de inscrição no PEC-PG, foi que, depois de muita luta, de baterem de porta em porta exigindo direitos básicos e pedindo apoio (declaração de vínculo empregatício – coisa complicada! –, declaração de uma instituição pública de ensino de conclusão de curso de graduação e histórico escolar – outra complicação não menos entediante –, acesso à internet e contato com uma IES brasileira, preenchimento do Currículo Lattes em uma conexão à internet mais complicada ainda, cartas de recomendação – obrigada às professoras Bia Afonso e Joana Castaño – às 5h30 da manhã –  por darem uma mãozona!), o trio Lisinaite, Arlete e Eteldilaide, meninas de vida dura e humilde de São Tomé e Príncipe, arrimos de suas famílias, uma mãe, outra, filha sem mãe, e mais outra determinada e perseverante, recém-saídas de um Instituto Superior Politécnico – cujo currículo anda muito longe de suas realidades socioculturais e econômicas –, sem sobrenome imponente de duque, dom, nobrezas quaisquer, o trio passou o dia na Embaixada do Brasil em São Tomé, e, pelo intermédio longínquo e generoso do Professor Wagner Rodrigues Silva, da Universidade do Tocantins – a quem agradeço com maiúsculas e negrito –, finalmente, submeteu a sua inscrição ao PEC-PG.
São as primeiras alunas do Instituto Superior Politécnico, do Departamento de Língua Portuguesa, licenciadas, que conseguem, ao menos, inscreverem-se no processo. Estimuladas e encantadas pela literatura são-tomense, sob a égide e a magia de Caetano da Costa Alegre, Francisco José Tenreiro, Marcelo da Veiga e Alda do Espírito Santo, essas meninas partem para uma viagem cheia de esperança pelo processo de aceitação ao Programa. Depois, se forem aceitas, partem para uma viagem efetiva, concretíssima, com o objetivo de trazerem de volta para a terra mãe a literatura que as fez crescer e sonhar com caminhos mais amplos.

É nisso que eu acredito, firmemente: são os “filhos da terra” – e essa expressão se lê em textos como os de Aíto Bonfim, como uma mão batendo forte no peito – são, pois,  os “filhos da terra” que, sem medo de voltarem para casa, sem medo das dificuldades que vão enfrentar lá e aqui, são eles que vão escrever a verdadeira e concreta história de São Tomé e Príncipe, buscando para isso subsídios no além mar, com os pés no chão da ilha e a cabeça expandindo em direção à sua verdadeira nação.
Eu acredito nessas meninas que não querem apenas o status vazio de doutoras (não é só de títulos que se faz um intelectual sério), nem privilégios sociais: elas querem as suas vidas mais justas, elas querem ser críticas de sua literatura, críticas de sua história política, social e cultural. Elas querem tomar posse dos que lhes pertence. Elas movem montanhas também para voltar.
De cabeça erguida, eis que estamos aqui esperando o resultado desse sonho. E eu, propagadora da notícia, estou esperando ver os meus alunos e amigos são-tomenses se apropriando efetivamente do que lhes pertence por justiça e trabalho e mudando o curso da história de seu país. E relembro: aqui, com os pés fincados na ilha como “tábuas rijas”.

Alea jacta est, meninas. Mesmo que não seja dessa vez, um grande obstáculo foi removido da frente de outras lisinaites, arletes, eteldilaides que ainda virão por aí. Eu ainda verei os seus nomes figurando nos livros de literatura, nos manuais das escolas, quando eu estiver no Brasil estudando a sua literatura. Disso, não me restam dúvidas!

 Naduska Palmeira, leitora em São Tomé.