terça-feira, 17 de setembro de 2013

Do olhar.

É preciso desfazer o nó e transformá-lo em laço. A distância, todas as emoções vividas vão adquirindo formas outras, mais leves, mesmo que mais diáfanas também. Algumas coisas que pareciam concretas se afastam lentamente e se tornam objeto de análise mais profunda e - talvez - mais profícua tendo em vista o desenvolvimento. Já tenho tentado escrever há algum tempo, mas sempre considero que não é o momento, que ainda estou muito ligada a São Tomé e que essa ligação me deixa um pouco míope em relação ao país. Por isso me valho sempre da prudência ao escrever.

Pisar de novo STP não foi fácil - e, desta vez, especialmente diferente -, não é fácil estar em STP. Tanto há para resolver, desde as burocracias até as coisas mais íntimas, que não sobra muito tempo para avaliar - e de novo isso - o tamanho da experiência. Sei que construí uma história, e uma história nada desprezível, construí também pontos de apoio, inventei pessoas, criei personagens que me fizeram sobreviver até aqui. Mas, aos poucos, a realidade vai "chovendo sua chuva fina" e com ela acendem-se verdades, umas muito duras, outras muito especiais. Mas o que será a verdade, afinal? Tenho colocado isso em xeque o tempo todo, tenho me colocado diante do espelho e me feito esta pergunta: quem eu sou agora? Muitas vezes, os espelhos criam imagens deformadas, muitas vezes nós criamos sobre o Outro imagens deformadas - o que não significa que o outro tenha aquelas deformidades. O problema é o modo de olhar e o momento em que se vê. Este que se confunde tantas vezes, este que, não menos, se engana; ah, este olhar, o olhar que desejamos do mundo não é o Mundo.

O olhar de hoje, o meu, está enxergando ruínas, retalhos pequenos. Ele deixa rastros de alegria e de dor. E ele leva isso tudo também, gravado na retina. Como recuperar a felicidade? Como recuperar a alegria de sambar - sem saber sambar - na Lapa, de caminhar pelo calçadão de Copacabana, de sentir o cheiro do Rio... se ainda tenho uma parte presa em São Tomé. Como me desvencilhar? Uma boa ideia é levar tudo na mala, tudo tudo tudo. Assim, não fico me lembrando do que deixei, ainda que seja a menor coisinha. Não posso deixar nada. Porque preciso escrever sobre a poesia de Conceição Lima, porque preciso contar a minha história neste país, porque preciso aprender a dar valor à história que escrevi em quatro anos. Porque preciso de isenção. E preciso deixar secar tudo o que me fez sofrer. Mas não deixar secar o coração. Tarefa complicada.

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