domingo, 5 de junho de 2011

Sobre a autora (1)

Pela segunda vez, quando vim para cá, despedi-me de casa, só que, agora, parti para mais longe, para descobrir coisas que estavam tão perto de mim. Foi devido à minha experiência aqui em São Tomé que me saltou da cabeça, na tarde do dia 04 de Junho de 2011, a ideia de escrever outro blog (digo “outro” pois já me aventurei por mais um, do qual falarei mais adiante ou noutro texto).
Entre aventuras boas e desgostos, contatos pessoais e literários (ou “escritas”), entre brasileiros e portugueses, santomenses e pessoas das mais diversas nacionalidades; entre grandes aprendizados e não menores frustrações, alunos e colegas de trabalho; entre erros e acertos, pessoais e profissionais, estou eu, um pouco torta no meu canto (drummondiana), um pouco solta demais (caetaneando), tateando a bruma que cobre ST, experimentando sabores e odores, nostalgia e euforia, anonimato e completa exposição de mim e do meu espaço privado.
E, como já me sinto quase dando os primeiros passos para entender ST, decidi começar pelo espaço em que melhor “me acolho”: na escrita. Não, não se espere muito disso. O que farei serão apenas relatos de minha vida aqui e ensaios das letras que me têm passado pelas mãos. Para tanto, apresento-me:
*
Sou brasileira das Minhas Gerais, terra de Rosa, Drummond e Geraldo Pereira. Mais pontualmente, nasci em Leopoldina, mas a minha memória da infância e da juventude construiu-se toda ela em Juiz de Fora, terra de Murilo Mendes e Pedro Nava. E terra das minhas escolhas – ainda que, na maioria das vezes, escolhas para fora dela.
Nasci numa família de gente humilde, mas forte – o caráter dos Mário é meu fantasma eterno, e o outro, Palmeira erguida firme e enraizada na terra – e fui criada, primogênita, com os mimos naturais de um primogênito. Dois anos depois da minha exclusividade no amor do pai e da mãe, veio um irmão. E sete anos e tal depois, uma irmã. Antes de minha família se mudar em definitivo para Juiz de Fora, lembro-me de ter morado em Bicas, cidade pequenina, da qual não trago nada de muito especial (apenas o medo do “homem do saco”, estupidez da babá que tomava conta das crianças, e das agulhas do farmacêutico Valtencir).
Em 1981-2 (?) fomos para Juiz de Fora. Minha irmã ainda não existia. Meu pai havia sido contratado por um banco lá na “cidade grande”, minha mãe era professora primária de uma escola perto da casa nova. A casa nova era grande e muito bem arrumada.
Lembro-me, com clareza, apenas de ter estudado numa escola, o Stella Matutina, onde segui meus estudos até o segundo ano científico (11º ano, atualmente). As outras escolas são sombras na minha memória. No meio do meu percurso, em finais da década de 1980, em ano que a memória rejeita, meus pais se separaram, e desde então, até meados dos anos de 1990, eu não tenho “retratos” da vida em família que sejam dignos de lembrança, ou dos quais eu sequer me lembre, fora os amigos que surgiram aos meus 14 anos (que são os amigos de hoje em dia), e algum vazio deixado pela ausência do pai, que fora brilhante nos tempos em que vivemos juntos. Eu devia ter uns 11 ou 12 anos.
Por não haver relato fidedigno (visto que eu era personagem daquela história familiar e não poderia, é claro, contá-la com alguma isenção emocional sem correr o risco de me exceder ou de diminuir a importância de alguns eventos), sigo para 1998, quando ingressei na Faculdade de Letras na Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas. Antes da decisão pelas Letras, tive contato com diversos escritores que determinaram as minhas escolhas a partir de então, majoritariamente escritores portugueses: Cesário Verde, Fernando Pessoa, José Saramago (cujo primeiro livro foi “A jangada de Pedra”, edição daquelas que vêm nos jornais e que eu comprei com moedas que provavelmente catava pelos cantos da casa). Há de se ressaltar que tentei, antes de prestar o vestibular para Letras, ingressar em Medicina. Há mesmo males que vêm para o bem: nunca consegui passar nas provas, e, aquilo que parecia uma perda de tempo, definiu a minha vida profissional, da qual me orgulho e que amo profundamente.
Ainda em 1998, nasceu a pessoa por quem eu sinto um amor único e absolutamente novo (renovado ano a ano no dia de nosso aniversário e reforçado dia após dia, mesmo com a distância física).
Na faculdade, conheci a pessoa que mudou meus rumos e meus sentimentos (acho que para sempre, se isso não é tempo demais, e se for, melhor assim...).
Durante o curso de Letras, tive aulas com grandes professores (Mário Roberto Zágari foi o maior mestre!) e me envenenei, sem remédio que possa me curar, pela literatura (muito embora o Mário Roberto tenha sido professor de Linguística e de Filologia!)
A literatura me provoca e me coloca, para além da relação “sentimental” que tenho com ela, numa posição mais digna diante da minha própria vida e da minha história. E também me compele a olhar para o mundo de maneira mais comprometida e sensata. Entre meus grandes e eleitos autores, muitos não passaram pelos curricula da faculdade, mas eles estavam sempre me chamando para o combate: Herberto Hélder e Alexandre O’Neill (ou o contrário) me marcaram muitíssimo, de maneiras obviamente diferentes. Entre os autores do curriculum, Mário de Andrade (infelizmente dado de maneira muito duvidosa...), Bandeira, Drummond, João Cabral, Rosa, Camilo Castelo Branco, Eça, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Pessoa, Cardoso Pires, Saramago. E veio o “desfiladeiro” pela literatura portuguesa, que desaguou no mestrado na mesma área. A semente foi plantada lá na UFJF.
E floresceu, anti-institucionalmente, na minha vida cotidiana, na minha “maluquice” incurável aos olhos da família, no meu modo de ver o mundo e de ver o “outro”.
Em conjunto com a decisão pela literatura portuguesa, intercalou-se a decisão por mudar definitivamente os rumos da minha vida emocional, psíquica, que estava seriamente comprometida pelo meio em que vivia. Formei-me em Letras pela UFJF em Maio de 2002 e comecei o mestrado na PUC-Rio em Junho do mesmo ano.
Estava livre.
Sobre o percurso no mestrado, não há muito que anotar além dos protocolos comuns, de uma aluna comum: muito trabalho, muita leitura, cumprimento de prazos e fim do curso, com defesa da dissertação. Sobre o percurso íntimo – estar no Rio, viver o Rio, sair de Minas, gostar de sair de Minas, sofrer por não estar em Minas; amar o Rio, querer o Rio; saber o Rio, disso, enfim, haveria muito o que se dizer.
Foram os anos mais incríveis da minha vida, mesmo com as muitas dificuldades do início.


Como em todas as histórias, de todas as pessoas, encontrei gente maravilhosa (que faz parte da minha vida até hoje, e fará sempre), gente duvidosa, gente que me fez muito mal e gente que me fez muito bem. Normal. Disso tudo, sobrei eu, ou parte do “ego” que julgo ser/ter hoje em dia.

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