“A perda de Línguas empobrece a humanidade – diz Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, que acrescenta – “O
multilinguismo é nosso aliado na procura de garantir educação de
qualidade para todos, na promoção da inclusão e no combate à
discriminação. A construção de um diálogo genuíno é baseado no respeito
pelas Línguas”.
No
dia 26 de fevereiro de 2013, realizou-se, no Instituto Superior Politécnico de
São Tomé e Príncipe (ISP-STP), um encontro que teria como foco a discussão de
políticas para a valorização e o ensino das línguas maternas de São Tomé e
Príncipe, a meu ver, as línguas crioulas. No entanto, deparei-me com um engano:
falou-se, sim – pouco –, sobre os crioulos. Mais precisamente, o senhor
Caustrino Alcântara deu uma deliciosa aula de forro, um dos quatro crioulos
falados em São Tomé e Príncipe (além do forro, fala-se o caboverdiano, o
angolar e o lung’Iê, nesta ordem de ocorrência em números). Falou-se sobre o
ensino da língua portuguesa – materna? para quem? (creio que seja uma boa ideia
de pesquisa...) e também discorreu-se acerca da língua portuguesa “mal-falada”
pelos são-tomenses.
O
português europeu é língua oficial em São Tomé e Príncipe – e a própria
nomenclatura, tendo-se em conta que estamos em continente africano, já me causa
espanto –, língua de uma certa elite que supõe deter os poderes sobre os
“subalternos”, “maus falantes” da língua do poder, repito, o português. O mais
interessante é que este português que se impõe politicamente aqui é o mais
distante que se pode imaginar da língua real, falada pela maioria dos
são-tomenses, que não têm acesso aos meios “privilegiados” para o “domínio”
efetivo desta, repito, distante e irreal língua que as instâncias de poder e os
que se autodenominam “elite intelectual” insistem em “usar” para dominar,
suavemente, os menos favorecidos – que são a maioria, como dita a regra.
Um
povo calado é muito mais “maleável”. Penso que seja talvez por isso que o
ensino da língua portuguesa neste país seja tão precário: o Ministério da
Educação nunca se preocupou em, sequer, prestar atenção à língua real, falada no dia a dia do povo, isso sem
mencionar as línguas crioulas, que ainda
são faladas. Mas, afinal, os grandes culpados por esse “mau uso” da língua
portuguesa são os professores dela – que também não a dominam, que ironia –
porque o português europeu não é a sua língua. Nunca se pensou em avaliar ou em
se questionar o estatuto do português europeu em São Tomé e Príncipe, país
africano. O que a imposição, aqui, do português europeu como língua oficial
oculta é, no mínimo, uma tragédia social e linguística. E me revolta ouvir
são-tomenses falarem de desvios de
usos de sua própria língua em relação a uma realidade que não lhes pertence.
É
bem verdade que não sou linguista, e o que falo são especulações sobre a
sócio-linguística são-tomense, baseada numa realidade linguística brasileira –
em que não se discute mais, pelo menos na ciência chamada Linguística, questões
como “certo” e “errado” no que diz respeito aos usos da língua “brasileira”
pela esmagadora maioria da nossa população. Baseada, também, vale dizer, no
convívio com a língua do povo de São Tomé, no contexto de produção textual dos
alunos do curso de Letras do ISP, nas dificuldades que os mesmos alunos têm de
decodificar um enunciado simples em sua suposta língua materna.
A
verdade é que poucas vezes me deparo com estruturas agramaticais (me deparo,
sim, com problemas de coesão e coerência internos, mas nunca com frases do tipo
que misturam gêneros, como o artigo masculino e um substantivo feminino
combinados – isso, sim, agramatical), e que não posso, devido ao meu amadorismo
no que diz respeito a questões linguísticas, julgar ou explicar. Mas é certo
que a ciência da língua tem uma explicação para os seus fenômenos.
O
que me interessa, de fato, é provocar a discussão acerca desses fenômenos, que
passam longe de serem “desvios do português” (que português? que padrão? quais
são as referências científicas e os parâmetros lógicos para se designar este ou
aquele português o padrão, o certo? seria o tempo? o espaço? o número de
falantes?...) Não tenho resposta para todas essas questões, por isso divido-as
aqui com meus caros interlocutores em potencial, para se pensar num ensino de
língua portuguesa mais solidário e mais democrático em São Tomé e Príncipe.
Ademais,
sugiro a leitura da obra de Marcos Bagno, Preconceito
linguístico, que aclarou as razões por que todo esse discurso sobre o
português de São Tomé e Príncipe me incomoda. O que parecia mera suspeição,
após ler o texto, tornou-se, para mim, óbvio.
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