quinta-feira, 14 de março de 2013

Homi K. Bhabha



“O compromisso com a teoria”*

            Existe uma pressuposição prejudicial e autodestrutiva de que a teoria é necessariamente a linguagem de elite dos que são privilegiados social e culturalmente. Diz-se que o lugar do critico acadêmico é inevitavelmente dentro dos arquivos eurocêntricos de um ocidente imperialista ou neocolonial. Os domínios olímpicos do que é erroneamente rotulado como “teoria pura” são tidos como eternamente isolados das exigências e tragédias históricas dos condenados da terra. Será preciso sempre polarizar para polemizar? Estaremos presos a uma política de combate onde a representação de antagonismos sociais e contradições históricas não podem tomar outra forma senão a do binarismo teoria versus política? Pode a meta da liberdade de conhecimento ser a simples inversão da relação opressor e oprimido, centro e periferia, imagem negativa e imagem positiva? Será que nossa única saída de tal dualismo é a adoção de uma oposicionalidade implacável ou a invenção de um contra-mito originário da pureza radical? Deverá o projeto de nossa estética liberacionista ser para sempre parte de uma visão totalizante do Ser e da História que tenta transcender as contradições e a ambivalência que constituem a própria estrutura da subjetividade humana e seus sistemas de representação cultural?
            Entre o que é representado como “furto” e distorção da “metateorização” europeia e a experiência radical, engajada, ativista da criatividade do Terceiro Mundo**, pode-se ver uma imagem especular (embora invertida em conteúdo e intenção) daquela polaridade a-histórica do século dezenove entre Oriente e Ocidente que, em nome do progresso, desencadeou as ideologias imperialistas, de caráter excludente, do eu e do outro. Desta vez, o termo “teoria crítica”, geralmente não teorizado nem discutido, é definitivamente o Outro, uma alteridade que é insistentemente identificada com as divagações do crítico eurocêntrico despolitizado. (...)
            Antes que eu seja acusado de volutarismo burguês, pragmatismo liberal, pluralismo academicista e de todos os demais “ismos” sacados a torto e a direito por aqueles que se opõem de forma mais severa ao teoricismo “eurocêntrico” (derridianismo, lacanianismo, pós-estruturalismo...) gostaria de esclarecer os objetivos de minhas questões iniciais. Estou convencido de que, na linguagem da economia política, é legítimo representar as relações de exploração e dominação na divisão discursiva entre Primeiro e Terceiro Mundo, entre Norte e Sul. Apesar das alegações de uma retórica espúria de “internacionalismo” por parte da multinacionais estabelecidas e rede de indústrias da tecnologia de novas comunicações, as circulações de signos e bens que existem ficam presas nos circuitos viciosos do superávit que ligam o capital do Primeiro Mundo ao mercado de trabalho do Terceiro Mundo através das cadeias da divisão internacional do trabalho e das diversas classes nacionais de intermediários. Gayatri Spivak está certa ao concluir que é “para o bem do capital preservar o teatro dos intermediários em um estado de legislação trabalhista e regulamentação ambiental relativamente primitivas”.***
            (...)
            O que exige maior discussão é se as “novas” linguagens da crítica teórica (semiótica, pós-estruturalista, desconstrucionista e as demais) simplesmente refletem aquelas divisões geopolíticas e suas esferas de influência. Serão os interesses da teoria “ocidental” necessariamente coniventes com o papel hegemônico do Ocidente como bloco de poder? Não passará a linguagem da teoria de mais um estratagema da elite ocidental culturalmente privilegiada para produzir um discurso do Outro que reforça sua própria equação conhecimento-poder?

*BHABHA, Homi K. “O compromisso com a teoria”. In: O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. pp. 43-5. (Sugiro a leitura do texto na íntegra).

Notas no texto de Bhabha:
**Para um exemplo desse estilo de argumentação conferir: TAYLOR, C. Eurocentrics vs new thought at Edinburgh. Framework, v.34, 1897. Ver especialmente a nota 1, p. 148, para uma exposição do uso que ele faz do termo “roubo” [larceny] – “a distorção judiciosa de verdades africanas para ajustá-las aos preconceitos ocidentais.”
***SPIVAK, G. C. In other worlds. London: Methuen, 1987. pp. 166-7.

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